OnPharma



A distribuição de imunoglobulina hiperimune anti-Sars-Cov-2 no Sistema Único de Saúde (SUS) está no planejamento do governo federal para o enfrentamento da pandemia em 2021. A Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) incluiu, em edital para fracionamento de plasma brasileiro, o fornecimento excepcional do produto, que ainda está em fase de testes.

chamamento público divulgado na edição do Diário Oficial da União (DOU) do dia 22 de setembro lista apenas quatro hemoderivados: solução de albumina humana a 20%, concentrado de imunoglobulina humana normal 5% endovenosa, concentrado de fator VIII da coagulação 500 UI e concentrado de fator IX da coagulação 500 UI.

O pedido de fornecimento da imunoglobulina anti-Covid também não foi citado no comunicado publicado no site da empresa. No texto institucional, há destaque para a obrigatoriedade de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para os outros quatro objetos da contratação. 

A solicitação específica para o coronavírus é incluída apenas na íntegra do edital, lançado dias depois de uma reunião do presidente da Hemobrás, Oswaldo Castilho, com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. 

Apesar de ainda estar em fase de estudos clínicos, a imunoglobulina hiperimune para tratamento da Covid-19 é bem vista por entidades médicas brasileiras. 

Uma aliança internacional formada pelas empresas Biotest, BPL, CSL Behring, LFB, Octapharma e Takeda recebeu apoio em uma nota conjunta assinada pela Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Grupo Brasileiro de Imunodeficiências (Bragid) e Centro Jeffrey Modell São Paulo.

Para a participação no certame, as empresas interessadas precisaram comprovar que possuem pesquisas em desenvolvimento. “Assim como foi negociado com as vacinas, a busca da parceria mais vantajosa começa antes do registro do produto”, explicou a estatal vinculada ao Ministério da Saúde.

Segundo a Hemobrás, a estratégia regulatória é a de obter a titularidade do registro sanitário na Anvisa com dados dos ensaios clínicos da contratada.

No momento, as propostas recebidas estão sendo analisadas e discutidas com o ministério.

Alternativa pós-vacina

O médico imunoglonista Antonio Condino Neto, membro do Departamento Científico de Imunodeficiências da ASBAI, avalia que a imunoglobulina hiperimune será importante para aqueles que não conseguirem imunidade vacinal.

Segundo o especialista, mesmo com estudos ainda em andamento, a expectativa para que haja resultados favoráveis é alta. 

“Já é uma ideia consagrada na literatura médica, mas para o coronavírus está ainda em desenvolvimento. Do ponto de vista técnico, é tudo extremamente válido. Nós, aqui, desejamos que tenha o maior sucesso no controle da infecção”, avaliou. 

De acordo com a empresa pública, o produto seria o passo seguinte à vacinação em massa, com a possibilidade de seleção de pessoas com altos títulos de anticorpos do tipo IgG, que caracterizam imunidade prolongada. 

“O concentrado de imunoglobulina hiperimune será um medicamento para ser administrado de forma preventiva, quando a exposição ao vírus for uma situação inevitável, como no caso de profissionais da saúde, ou mesmo como uma forma de neutralizar o vírus nos estágios iniciais da doença”, detalhou a Hemobrás.

Desabastecimento no SUS

No edital, a Hemobrás descreve que os rendimentos mínimos para os demais insumos previstos na contratação podem ser revistos em função da obtenção da imunoglobulina hiperimune anti-Covid.

Questionada pelo JOTA se o fornecimento do produto é prioritário, a empresa pública indicou que as entregas dos outros podem ser prejudicadas.

“Não é que exista uma ordem de prioridade. A inclusão de um concentrado de imunoglobulina hiperimune pode impactar na matriz de fracionamento em comparação à demanda básica. Pode ser que, para ofertar esse produto, a empresa tenha que fracionar lotes menores de plasma e abrir mão de fracionamento de outros produtos que normalmente poderiam ser obtidos”, informou.

O médico Antonio Condino Neto alertou que os pacientes com imunodeficiências não podem deixar de ser assistidos para que essa entrega seja viabilizada. Há meses, o SUS registra desabastecimento de imunoglobulina humana 5g devido à dificuldade de finalizar processos de aquisição.

 “O Brasil tem um grupo populacional grande que precisa receber todo mês e o produto hiperimune não substitui o comum”, afirmou. 

Procurado para comentar sobre a imunoglobulina anti-Covid, o Ministério da Saúde não se posicionou até esta publicação.

Sobre a falta de imunoglobulina comum no SUS e possibilidade do fornecimento do insumo por meio da estatal, a pasta afirmou apenas que o fortalecimento da Hemobrás faz parte de uma estratégia da atual gestão.

“O objetivo é alcançar a autonomia brasileira na produção de hemoderivados, como a imunoglobulina. O domínio desta tecnologia é uma questão de estratégia e de soberania do país”, diz a nota enviada.